quarta-feira, 19 de novembro de 2014

“Sicko” – um documentário ou um discurso político?


Há esquerda nos Estados Unidos?
A pergunta pode parecer provocativa, mas não o é. Além do cenário político dominante, dividido entre Republicanos e Democratas, há uma gama de partidos e agremiações de toda natureza. A chamada “esquerda norte-americana” é bastante distinta em relação a outros países ocidentais. Ela não tem configuração ideológica sólida, vivendo o conflito de usufruir das liberdades capitalistas e lutar pela utopia comunista. O “Communist Party USA” (CPUSA), tem origem na década de vinte do século passado, possuindo alguma influência na organização sindical por volta de quarenta. Com o fim da URSS (1991), perde força. Hoje, pode-se perceber duas tendências de orientação socialista e/ou comunista nos EEUU.
A primeira está centrada em programas de reforço da ideologia socialista, ligada ao “Democratic Socialists of América”, e membro da Terceira Internacional Socialista, tem pouca repercussão social. A segunda tendência é ligada a movimentos sociais e mantém militância ativa, sem projeto de poder. Está ligada aos movimentos negros, feministas e gays.
Além destas duas correntes, há um grupo sem compromisso com a causa social, mas muito interessado na construção de discursos de esquerda, vivendo o melhor do estilo capitalista. São conhecidos como “left caviar” ou “Chanpagne socialist” que, vivendo no melhor estilo capitalista (“american way of life”), desenvolvem discursos de esquerda com propósitos de promoção pessoal. Neste último contexto, podemos enquadrar o ativista Moore, incensado pela “esquerda sardinha e cachaça” do terceiro mundo.
Michael Francis Moore  (23/04/1954) nasceu em Flint (Michigan), não completou nenhum curso superior. Hoje, dono de uma fortuna de US$ 50 milhões, vivendo ora em Michigan, numa mansão, vizinho de Madona e Bruce Willis, ora em uma cobertura de US$ 2 milhões em Manhattan. Longe de ser um “poor homeless”, Moore é proprietário de mais oito imóveis em Michigan e Nova York. Uma boa fortuna para quem, sendo despedido de uma produtora, toma o seguro desemprego e produz seu primeiro filme: “Roger & Me” (1989).
Nunca foi pobre, como busca convencer o espectador. Já nasceu numa família de classe média, portanto não conheceu o “chão de fábrica” como sugere em Roger & Me, é parte da conhecida “esquerda caviar” que utiliza a liberdade americana para criticar seu país. O ex-colaborador de Moore, em Hollywood, Douglas Urbanski declara nunca ter visto alguém tão obcecado por dinheiro como Moore! É um conceito pouco coerente com a imagem de um esquerdista, defensor dos pobres. O sucesso como cineasta advém da exploração de mazelas da sociedade americana que, denunciadas, fazem a euforia da esquerda mundo afora.
Três filmes: “Roger & Me” (1989), “Bowling for Columbine” (2002) e “Sicko” (2007), que tratam respectivamente do fechamento da fábrica da General Motors em Flint, do mercado de armas nos EUA e do sistema privado de saúde dos EUA. Estes são três trabalhos mais conhecidos do autor. Vamos focar “Sicko” como objeto de nosso comentário.

Sicko (2007)
O primeiro questionamento é quanto à classificação dos filmes. Eles não são documentários, pois são narrativas construídas com objetivo prévio. O documentário não é doutrinário, é expositivo. Um filme, com propósito ideológico, é argumentativo. A ficção é uma construção da realidade que pode estar mais ou menos próxima da verdade, dependendo da intenção do narrador. Moore cria cenários e personagens, escreve roteiros e diálogos, usa a técnica de cinema com o propósito de convencer o espectador. Quem observa a sequência narrativa, percebe de imediato a intencionalidade predominando os relatos.
Sicko é produzido na trilha da campanha de Barack Obama para a presidência da república. A cena inicial denúncia este engajamento, pois mostra uma fala de Bush, lamentando em, tom irônico, o fato dos médicos ginecologistas abandonarem a profissão.  O filme deixa claro que não é dirigido aos que não têm plano de saúde, mas aos 180 milhões de americanos que, embora tendo, não conseguem atendimento. O filme crítica o sistema criado no governo Bush-pai e prepara a recepção do "Obama care" (Patient Protection and Affordable Care Act - Lei de Proteção ao Paciente e de Assistência Acessível) e assim ganha coerência a cena inicial do Bush-filho.
O sistema de saúde norte-americano é precário, ninguém pode negar o fato, mas produzir encenações, muitas vezes forçadas, a fim de defender ponto de vista pessoal e inconsistente é mais do que falsear a verdade, é implantar mentiras com objetivos escusos. Por outro lado, propalar como solução a medicina socializada de Obama é desconhecer a realidade americana. Em excelente artigo, o economista norte-americano Robert P. Murphy[1], aponta alguns fatores que tornam o “obamacare” inviável. O assunto é complexo e não é um filme de Moore que pode trazer luz sobre este emaranhado. Deixemos de lado o julgamento do projeto de Obama, para continuarmos nosso comentário sobre o filme.
O foco principal é demonstrar que o sistema americano é ruim e que o cubano é excelente. Como transição argumentativa, o diretor expõe três outros sistemas: canadense, inglês e francês. O tratamento cinematográfico dado a estes três é permeado de ironias e brincadeiras, mas o caso cubano é tratado com seriedade, com cenas de emoção e solidariedade. Tal procedimento demonstra a intencionalidade do diretor, principalmente ao trazer para a tela a irmã de Che (Aleida Guevara). Seria interessante incluir no elenco a filha de Fidel a bióloga Alina Fernandes que vive em Miami deste 1993.
O filme compara questões de alta complexidade médica nos EEUU com atendimento à saúde básica em Cuba. O sistema cubano é eficiente em termos de saúde básica (Atención primaria de Salud), mas deixa a desejar no atendimento de casos mais complexos. É um grande mérito de Cuba criar um sistema de saúde preventiva com atenção especial à família. O que Moore compara não é sistema de saúde pública ou privada, o que o filme expõe são modelos de gestão distintos.
Só para encerrar, o nosso SUS é público e universal, em tese, próximo ao que o diretor propaga! Não precisamos do filme para sabermos a extensão do caos da saúde no Brasil, embora o ex-presidente Lula tenha dito que o “SUS chegou quase à perfeição”. Só para lembrar: Chaves, ingênuo, fez tratamento em Cuba, Lula e Dilma, sabidos, fizeram tratamento do Sírio-Libanês. Gostaria de saber: Michel Moore, se adoecer, fará tratamento em Cuba?
No final o filme faz um discurso em prol da paz mundial, da tolerância e da solidariedade. Torna-se ridículo ouvir tal pregação, pois dos paredões de Cuba muitas vozes silenciadas testemunham tal falácia.


2 comentários:

Odiombar Rodrigues disse...

Uma boa informação sobre o sistema de saúde em Cuba está no link abaixo:
http://www.epochtimes.com.br/deploravel-situacao-sistema-saude-publica-cuba/

Anônimo disse...

O diretor utiliza as mesmas técnicas utilizadas a muito tempo pelos EUA para convencer a todos de que o país seria um paraíso e de que seu modo de vida traria benefícios. Não entendo porque á técnica é aceita quando feita pelas grandes corporações, para nos convencer a comprar produtos desnecessários e pelos EUA para propagar seu estilo de vida consumista, é tão bem aceito e quando feito por alguém que tem um modo de vida diferente não o é.