Ao comemorarmos setenta anos do final da Segunda Guerra
Mundial (02 set. 1945), não resta dúvida de que o holocausto (Shoá) é o evento
mais comentado. A dimensão do horror é tamanha que não há como ignorá-lo. São
diversos eventos que buscam trazer para a discussão o conhecimento sobre os
fatos e, assim, contribuir para a prevenção de novas tragédias.
O holocausto não é um fato isolado, ou um desvio na rota da
história. Ele é antecedido por diversos momentos trágicos para a humanidade e,
infelizmente, não se encerrou com o fim da Segunda Guerra Mundial. O poder
destrutivo, o ódio e a irracionalidade são fatores desencadeantes dos fatos e
não desapareceram com a derrota de Hitler. A vigilância deve ser constante e a
pior atitude é entender que tudo não passou de um fato isolado, fruto de uma
mente louca e assassina. Se as causas não forem controladas, os efeitos podem
surgir a qualquer momento, novos hitleristas estão a postos.
Não vou ater-me às atrocidades cometidas há setenta anos,
hoje a minha preocupação é com os fatos presentes e com a própria banalização
do episódio. Grupos com os interesses mais diversos apoderam-se dos fatos e
trazem informações ou ilações que, além de não contribuírem com a verdade,
servem apenas para causas próprias.
Não precisamos ir longe para constatarmos alguns fatos
preocupantes. Na internet, encontramos diversos sítios que ou negam o
holocausto, ou reduzem sua magnitude, desviando a atenção do leitor para a
responsabilidade dos criminosos. Há também quem estabeleça paralelo entre o
holocausto e outras mazelas de nosso cotidiano, não só reduzindo o sentido
trágico como estendendo e deturpando sua significação.
Em eventos comemorativos dos setenta anos do fim da Segunda
Guerra Mundial, ouvi algumas afirmações temerárias como “o sistema prisional
brasileiro é um novo holocausto”, “o assassinato de jovens negros no Brasil é
um genocídio”, “o braço armado do estado é uma nova SS contra a população
pobre”, “as prisões brasileiras são campos de extermínio”, “Auschwitz é aqui!”.
São expressões de impacto, mas com efeito nocivo sobre a realidade dos fatos.
Óleo e água não se misturam!
Talvez tenhamos a necessidade de dois neurônios para
percebermos as semelhanças, mas de tantos outros para percebermos o jogo nefasto
destas aproximações. Ninguém pode negar o horror das prisões no Brasil, muito
menos pode fechar os olhos para a situação social. O caos no sistema penal brasileiro é evidente
e clama por justiça, mas são questões distintas.
As vítimas do holocausto lá estiveram por uma lógica insana,
os sujeitos não haviam contribuído com os fatos. Eram plenamente inocentes,
quer fossem judeus ou outros que lá foram torturados e mortos. O estado que lá
os jogou era sanguinário e assassino por opção, a ordem não era pessoal, mas do
grupo o que configura plenamente genocídio.
Os que estão nos presídios, lá estão por uma parcela de
contribuição pessoal, não estão por ato gratuito de ninguém. O estado que os
levou para lá, o fez dentro de um processo legal. No geral, cada presidiário
que cruzou a porta da masmorra, forçou uma família a cruzar o portal de um
cemitério. Cada indivíduo no presídio responde pelo seu crime, é condenado
pelos seus atos. Não há condenação do gênero para considerarmos genocídio. Aceitar
a tese de vitimização do presidiário é pôr em dúvida a lisura da Justiça.
No holocausto não havia nenhuma esperança, nenhuma defesa e
muito menos condições para provar inocência. O mal era a única regra imposta; a
penúria e a destruição as únicas possibilidades oferecidas. A lei que imperava
no campo de concentração é a determinada pelo próprio estado assassino e
covarde, as regras são de fora para dentro.
Os presídios deveriam oferecer condições de ressocialização
(ou reeducação) do apenado, mas isto não acontece, pois, em geral, a lei no
interior dos presídios é da selvageria, da criminalidade e do vício. O estado
não assume seu papel, deixando a barbárie conduzir os destinos dos apenados. Na
ausência do estado, as lideranças do crime organizado estabelecem as regras
internas, transformando o presídio num sistema de “auto-gestão”.
“Inocência das vítimas” e “papel do Estado” são dois temas
que devem anteceder a possibilidade de comparação entre estes dois eventos
trágicos e um bom exame revela a distância que separa estes dois grupos de
indivíduos. Cada fato deve ser tratado com seriedade e competência, mas não
podemos permitir que os argumentos sejam contaminados pela eliminação das
diferenças entre as vítimas.
Dois paralelos são suficientes para percebermos a injustiça.
As vítimas do holocausto são muito distintas da massa carcerária do Brasil. É
ofensivo ao povo judeu estabelecer tal paralelo - ele não se sustenta. A
tragédia que se abateu sobre um povo inocente não pode ser de mesma magnitude
da que ocorre pela incúria do estado, sobre uma parcela da população que
necessita ser ressocializada.
Findo o terror, abertas as portas dos campos de
concentração, os sobreviventes retornaram ao convívio social e contribuíram para
um novo mundo. Não imaginem que abrindo as portas das cadeias teremos o mesmo
efeito benéfico! São realidades distintas e, embora ambas trágicas, não podem
ser misturadas.
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